O primeiro aborto surgiu do nada, de forma inesperada, tão inesperada quanto a primeira gravidez. Depois de saber que estava grávida nunca pensei que poderia abortar. Claro que conhecia casos de mulheres que tinham passado por isso, mas para mim, nessa altura, esses casos eram excepções que não me mereciam atenção nem preocupação. Depois veio o balde de água fria. Desfizeram-se os sonhos e os planos. Eu, que nem era suposto engravidar, imaginei que o meu acaso improvável e feliz tinha terminado desta forma e o mais certo era nem se vir a repetir. Ainda assim não pensei duas vezes para voltar a tentar. Recordo-me que na mesma consulta em que a ecografia me mostrou um coração que já não batia, perguntei quando poderia voltar a tentar engravidar. Acho que eu própria me surpreendi com a pergunta e acho que foi ali que percebi que queria engravidar. Ironias do destino, descobri que gostava de ser mãe no dia em que descobri que a gravidez tinha deixado de evoluir. Assumi que este tinha sido um acaso infeliz e segui em frente.
O segundo aborto congelou-nos as esperanças e colocou sobre nós a nuvem negra do medo. Receio de que algo nos impedisse de ter filhos. O segundo aborto dói tanto como o primeiro. Não há o factor surpresa que há da primeira vez, mas já não há como achar que tivemos azar. Ter azar duas vezes seguidas é demasiado azar junto.
O Miguel fez-nos olhar para traz com outros olhos. Podíamos efetivamente ter tido muito pouca sorte das duas primeiras vezes. Afinal as dezenas de análises e testes que fizemos não encontraram nenhum motivo para as duas perdas sucessivas. Ou talvez eu tivesse algum problema menor, não detectado, que a cardioaspirina, tomada religiosamente desde o início até quase ao final da gravidez, tivesse resolvido.
O terceiro aborto não surgiu do nada, sempre houve uma ténue sombra que se reflectia em "ses" quando pensávamos no futuro. "Se tudo correr bem." Mas, na verdade, não queríamos desperdiçar muito tempo com essa possibilidade. Já tínhamos o Miguel, por que haveria de correr mal desta vez? Mas correu. A cardioaspirina não foi a solução. O terceiro aborto mostrou-nos que se calhar não tivemos azar das duas primeiras vezes, mas tivemos antes muita sorte na terceira. Temos connosco um bebé vivaço e sorridente e isso faz-nos ver a realidade com outros olhos, mas o terceiro aborto doeu tanto como os anteriores, ainda que de forma diferente. Como já disse antes, depois de se ter um filho sabemos o que estamos a perder. Esta foi a primeira vez em que parei para pensar se queria continuar a tentar engravidar. Agora estou claramente a perder o jogo e imagino que o mais certo é a minha desvantagem aumentar. Ainda assim o meu gosto por correr riscos não se perdeu. Façamos figas e lancemos os dados.
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