Tinha vinte e poucos anos quando por acaso se descobriu que eu tinha um quisto enorme num dos ovários, nunca sei qual, mas sei o que significa enorme neste contexto: 7 centímetros e tal quando foi descoberto, já passava dos 9 quando foi removido (um ovário tem normalmente 3 centímetros no seu lado maior). Não se sabia ao certo de que tipo era, não era necessariamente inofensivo. Naturalmente optimista, e provavelmente inconsequente e ingénua, nunca coloquei a hipótese de poder ter uma origem cancerosa, mas os médicos colocaram essa possibilidade em cima da mesa e os meus pais andavam aflitos, e só sossegaram quando veio o resultado da biópsia. Livrar-me do quisto implicou uma operação. Recordo-me de um dos pijamas que levei para a clínica e lembro-me também de me ter ido despedir do mundo à praia, no dia da operação de manhã, no caso da coisa correr francamente mal. Também me recordo de mandar os meus pais para casa ou ainda nos punhamos todos a chorar no quarto da clínica (já naquela altura eu não era dada a mimimimis). Uma hora e tal depois de entrar na sala de operações estava de volta ao quarto. Recordo-me de achar que não tinha sido operada, de colocar a mão em cima do penso enorme, de confirmar que tinha mesmo sido operada e de achar que aquele tempo de inconsciência provocado pela anestesia era algo mesmo muito estranho. Tive muito frio, depois tive muito calor. A dada altura chamei a enfermeira e pedi uma aspirina para a minha mãe, que tinha voltado enquanto eu era operada. Eu estava bem e quase pronta para outra. Mais tarde o médico falou comigo e com os meus pais, explicou que o quisto tinha sido mais difícil de remover do que ele tinha antecipado, e que não só teve que remover o quisto como o ovário. Também tinha encontrado pequenos quistos no outro ovário, pelo que também os tinha retirado, e com eles uma porção do ovário. Informou com ar sério e pesaroso que seria muito complicado para mim conseguir engravidar.
Tinha vinte e poucos anos, não tinha namorado, não pensava em relações sérias, muito menos pensava em ter uma família. Nem sequer em miúda tinha aquele sonho comum a tantas outras amiguinhas de casar e ter filhos. Aquela informação não teve grande impacto em mim, mas ficou presente. Assumi que não poderia ter filhos, ponto final. Lembro-me de a dada altura pensar que se quisesse ter filhos podia adoptar, e lembro-me de ler sobre isso e perceber que se o quisesse fazer sozinha teria de esperar pelos 30 anos. Os 30 chegaram e eu estava completamente absorvida pela profissão e pelas viagens. Nunca senti uma nuvem em cima da cabeça por supostamente não poder ter filhos. Não sei se por estar completamente absorvida por outras facetas da vida, se por nunca ter tido uma relação séria que me pudesse eventualmente levar a pensar nisso, mas foi assunto que nunca me preocupou nem me visitou muitas vezes. Sempre fui muito pragmática, se soube cedo que não podia ter filhos, esse foi um assunto que para mim estava naturalmente decidido e encerrado.
Até que no ano passado engravidei (depois de achar que estava a morrer!, parecia-me muito mais lógico achar que estava mesmo muito doente do que colocar a hipótese de estar grávida). Ainda não sei descrever bem o que senti quando na ecografia vi um embrião no meu útero, mas sei que mais do que felicidade senti surpresa e susto. O impossível tinha acontecido. Pouco depois a gravidez terminou e lembro-me de na consulta em que a não evolução do embrião se descobriu ter perguntado de imediato Quando é que posso voltar a tentar? Descobri aos 36 anos que afinal tinha a possibilidade de ser mãe e instintivamente corri atrás dessa hipótese. Não foi um processo fácil em momento nenhum, continuo a achar que ainda nada é garantido (esta racionalidade que não me larga), mas naturalmente, e a um dia de completar as 31 semanas, acredito cada vez mais que é possível.
Aaah, já podias ter contado essa história antes que eu assegurava-te que ias ser mãe :P
ResponderEliminarEu nasci fruto de um "acontecimento" como esse, a minha mãe também achava que estava doente quando engravidou porque supostamente era impossível... E nem o médico acreditou no teste de gravidez!
Beijinhos
Go, go, go!
ResponderEliminarObrigada pelas palavras sempre inspiradoras!
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