26.9.15

sábado, 7 da manhã, a trabalhar

O que acontece a uma workaholic a quem nasce um filho? Transforma-se numa workaholic com um filho.

Nos primeiros meses ainda pensei que a nova realidade (me) pudesse mudar, mas os hábitos falam mais alto.

22.9.15

começo de dia

A reunião por skype estava combinada para as 8 da manhã de cá (fim da tarde do lado de lá do mundo). Acordo às 7 e tal. Vejo o mail e tenho uma mensagem das 6 e pouco da manhã a dizer que podíamos começar a reunião quando eu quisesse. Lavo a cara a correr, nada de maquilhagem, visto uma camisola de malha, agarro no portátil e vou para a varanda para não acordar a família. Está frescote e chove. Skype ligado e uma mensagem a dizer que se tinha enganado nas horas, que falávamos às 8 e não às 6 da manhã. Vê-me ligada e começa a reunião. Eu às 7 e meia da manhã na varanda, de calças de pijama e camisola a fazer de conta que estou apresentável, e com chuva miudinha à minha volta. Do outro lado do monitor o dia quase a chegar ao fim, temperaturas altas e muito mar. Enquanto não posso estar do outro lado sou feliz assim.

egoísmo?

Talvez seja egoísmo, talvez seja perfeitamente normal. A verdade é que agora que me começo a sentir eu de novo, agora que me voltei a envolver em projectos que me agradam e que me fazem pensar que trabalhar pode ser mesmo um grande prazer, dou comigo a pensar se quero mesmo ter outro filho. Talvez esteja a ressacar destes 9 meses em casa num país que não é o meu, longe de tudo e todos. Talvez inconscientemente eu quisesse engravidar logo de seguida porque sabia que quando voltasse a sentir o sabor das outras facetas da vida não teria vontade de tornar a hibernar. O mais certo é isto passar-me em três tempos, mas hoje, no dia em que o Miguel faz 9 meses, sinto esta interrogação no ar.

14.9.15

consegui, consegui!

Supostamente estou em casa apenas a tomar conta do bebé. Mas, na verdade, divido-me em várias. Uma trata do Miguel, a outra escreve artigos e capítulos, há ainda uma outra que se candidata a tudo o que lhe parece relevante, e ainda há a dona de casa. Às vezes pergunto-me em silêncio se esta correria desenfreada em que vivo vale a pena. Depois há dias, como hoje, em que acordo e tenho uma resposta positiva a um tipo de trabalho que perseguia há algum tempo e só não dou pulos de contente porque tenho que ir deitar o pequenote e arranjar um esquema qualquer que me permita fazer efetivamente este trabalho e continuar a tomar conta da pequena criatura. Esta correria vale a pena, vale tanto a pena. Consegui, pá! Consegui! Sempre achei que o difícil era conseguir o primeiro contrato deste tipo e que a seguir seria bem mais fácil conseguir mais. Agora vou poder testar! Oh yeah!

10.9.15

3-1, resultado que espero não ser o final

O primeiro aborto surgiu do nada, de forma inesperada, tão inesperada quanto a primeira gravidez. Depois de saber que estava grávida nunca pensei que poderia abortar. Claro que conhecia casos de mulheres que tinham passado por isso, mas para mim, nessa altura, esses casos eram excepções que não me mereciam atenção nem preocupação. Depois veio o balde de água fria. Desfizeram-se os sonhos e os planos. Eu, que nem era suposto engravidar, imaginei que o meu acaso improvável e feliz tinha terminado desta forma e o mais certo era nem se vir a repetir. Ainda assim não pensei duas vezes para voltar a tentar. Recordo-me que na mesma consulta em que a ecografia me mostrou um coração que já não batia, perguntei quando poderia voltar a tentar engravidar. Acho que eu própria me surpreendi com a pergunta e acho que foi ali que percebi que queria engravidar. Ironias do destino, descobri que gostava de ser mãe no dia em que descobri que a gravidez tinha deixado de evoluir. Assumi que este tinha sido um acaso infeliz e segui em frente.

O segundo aborto congelou-nos as esperanças e colocou sobre nós a nuvem negra do medo. Receio de que algo nos impedisse de ter filhos. O segundo aborto dói tanto como o primeiro. Não há o factor surpresa que há da primeira vez, mas já não há como achar que tivemos azar. Ter azar duas vezes seguidas é demasiado azar junto.

O Miguel fez-nos olhar para traz com outros olhos. Podíamos efetivamente ter tido muito pouca sorte das duas primeiras vezes. Afinal as dezenas de análises e testes que fizemos não encontraram nenhum motivo para as duas perdas sucessivas. Ou talvez eu tivesse algum problema menor, não detectado, que a cardioaspirina, tomada religiosamente desde o início até quase ao final da gravidez, tivesse resolvido. 

O terceiro aborto não surgiu do nada, sempre houve uma ténue sombra que se reflectia em "ses" quando pensávamos no futuro. "Se tudo correr bem." Mas, na verdade, não queríamos desperdiçar muito tempo com essa possibilidade. Já tínhamos o Miguel, por que haveria de correr mal desta vez? Mas correu. A cardioaspirina não foi a solução. O terceiro aborto mostrou-nos que se calhar não tivemos azar das duas primeiras vezes, mas tivemos antes muita sorte na terceira. Temos connosco um bebé vivaço e sorridente e isso faz-nos ver a realidade com outros olhos, mas o terceiro aborto doeu tanto como os anteriores, ainda que de forma diferente. Como já disse antes, depois de se ter um filho sabemos o que estamos a perder. Esta foi a primeira vez em que parei para pensar se queria continuar a tentar engravidar. Agora estou claramente a perder o jogo e imagino que o mais certo é a minha desvantagem aumentar. Ainda assim o meu gosto por correr riscos não se perdeu. Façamos figas e lancemos os dados.

a mudança dos ritmos

Tarefa importantíssima para terminar e um bebé para cuidar 24 horas por dia. Isto de não ter apoio familiar não é complicado quando o bebé tem 2 dias, é complicado quando o bebé já tem vários meses e nós queremos voltar a ter alguma vida. Convenço-me que só se consegue com muito jogo de cintura e muita habilidade para sermos o artista de circo que mantém vários pratos a rodar em cima de pauzitos sem deixar cair nenhum. A dada altura achei que não ia conseguir terminar este trabalho, que era impossível conseguir pensar, reflectir, tomar decisões e escrever enquanto troco fraldas, faço sopas, faço o aviãozinho porque não quer comer a sopa, passo horas a tentar adormecê-lo porque dormir é coisa que não lhe assiste alegremente. A poucos dias do prazo-limite posso dizer que superei a prova. É possível. Estava habituada a fugir do mundo durante dias, semanas ou meses e centrar-me no trabalho do momento. Agora trabalho na meia hora em que dorme, ou nos 10 minutos em que se distrai sozinho e à noite, depois de ele adormecer, quando já tenho os olhos semi-fechados. É outro ritmo, é todo um outro universo, mas é possível. Agora vou ali dar os últimos retoques no trabalho e ver se despacho isto de vez, para depois poder ter uns dias de paz e sossego para me dedicar à pequena criatura.