15.12.14

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Posso ter um ar frágil à primeira vista, mas é coisa que não sou mesmo. Sempre fui muito independente desde muito pequena e sempre me pareceu que uma característica estava aliada à outra. Ter viajado bastante sozinha também contribuiu para que aprendesse a desenrascar-me e estes já longos meses em Itália reforçaram tudo isto, especialmente os meses iniciais em que estive por minha conta. 

Estamos aqui só os dois e eu não me sinto só. Não sinto falta de nada nem de ninguém. Foi uma escolha minha pegar em meia dúzia de tralhas, metê-las numa mala e sair do país. Tinha emprego e uma vida confortável em Portugal, mas faltava-me o desafio (e agora falta-me de novo, estou ansiosa por tornar a meter a vida numa mala, mas isso é outra conversa). Fui atrás desse desafio e deixei tudo para trás, incluindo a pessoa com quem agora divido o meu tempo e o meu espaço. 

Cheguei a Itália e dois meses depois passava por um aborto sozinha. Estava só eu no momento em que se confirmou aquilo de que já suspeitava. Estava sozinha quando saí da clínica e fui para casa. Estava por minha conta quando fui trabalhar no dia seguinte à novidade nada feliz. Saí de casa sozinha quando, já com um embrião sem vida dentro de mim, fui passear porque a minha vida continuava, apesar da dele ter terminado tão cedo. Foi sozinha que entrei no hospital e na sala de operações para que o que restava daquela gravidez abandonasse o meu corpo. E foi num quarto vazio que acordei depois da anestesia. 

Talvez por sempre me ter bastado agora não sinta falta de nada nem de ninguém, porque a verdade é que agora tenho o dobro do que tinha antes. Agora somos dois, como fomos dois da segunda vez que abortei. Não sei dizer se me custou mais o primeiro ou o segundo aborto. Apesar de sermos dois da segunda vez, e apesar de ter alguém sempre comigo, tive que ver a tristeza imensa que te percorria os olhos e não tinha armas para a diminuir. Talvez isso tenha tornado o segundo aborto mais doloroso, isso e o facto de ser o segundo. É mais fácil tentar ignorar uma dor quando se está só. Fechamo-nos em nós mesmos e mais ninguém sabe o que nos corrói as entranhas. Ter alguém ao nosso lado que sabe que o sorriso que colámos no rosto é uma máscara dificulta o teatro. Temos fotos lindas tiradas no meio da neve. Ninguém sabe que no dia em que foram tiradas eu tinha um embrião morto dentro de mim, e ninguém, nem tu, sabia que  enquanto pisava e olhava para o branco da neve dava comigo a pensar no contraste que faria com o vermelho do sangue que perdia naquela altura.

Por tudo isto e muito mais continuo a acreditar que nos bastamos nesta fase mais sensível que aí vem. Não seremos apenas os três a partir de agora? Então que comecemos a ser apenas três desde já.

2 comentários:

  1. Olá!
    Descobri ha pouco tempo o blog e ainda não tive coragem de comentar.
    Por tantas, tantas razões o blog emociona-me muito, muito...Escrevo e apago e volto a escrever e volto a apagar...
    Fico mesmo feliz por vir aqui e ler mais posts novos e saber que está tudo bem e o bébé está quase, quase a nascer.
    Desejo-lhe toda a sorte e felicidade do mundo!

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