Tenho à minha frente um rapaz sérvio que me conta que com sete anos era acordado de madrugada pela mãe. A comida era racionada e só era dado um pão a cada pessoa presente. A mãe acordava o filho mais velho, uma criança na altura, e de madrugada juntavam-se à fila para poderem levar dois pães para casa. Depois disso ele ia para a escola e tudo se repetia no dia seguinte. Contou-me, também, de como uma vez na fronteira teve que fazer de conta que a mãe não era mãe, e de como a mãe lhe explicou que poderia ser aquela a última vez em que estavam juntos. Falou-me de como o pai nunca recuperou depois da guerra e de como a mãe se movimentou para que os filhos não passassem fome e estudassem. Ele, hoje adulto, é um doce. Sereno, com uns olhos azuis profundos e um riso original e contagiante. Quando lhe perguntei se aqueles anos de dificuldades, que se prolongam até hoje, lhe condicionam a felicidade, respondeu-me que sim, de forma sincera e sem dramas, com aquela calma que lhe conheci desde o primeiro momento. Eu, pouco dada a contactos físicos próximos com quase desconhecidos, tive vontade de o abraçar de cada vez que falámos e fiquei (ficámos) de lágrimas nos cantos dos olhos na hora de dizer adeus.
Lemos jornais e notícias na net, vemos documentários, mas ouvir as
palavras alto e bom som e ver os olhos de quem as diz dá-lhes a dimensão
real que lhes falta noutros contextos. E cada vez mais me questiono se aquilo que faço neste momento é efectivamente o que quero continuar a fazer (e já sei a resposta).
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